A vacina certamente foi uma das invenções mais importantes que a ciência produziu em sua história. Imagine que, sem elas, nós viveríamos em um mundo em que doenças como sarampo, poliomielite, varíola e tantas outras seriam a causa não de uma, mas de várias mortes e sequelas naqueles que por sorte sobrevivessem.
No entanto, desde o seu “nascimento”, a técnica da vacina gerou desconfiança. Não é para menos: imagine em uma época que a medicina ainda engatinhava, sugerir injetar pedaços de microrganismos em pessoas saudáveis para prevenir que elas ficassem doentes. A descrença foi grande.
Por sorte, as vacinas provaram a que vieram e a história está aí para mostrar que elas são, sim, seguras e funcionam quando ganham um voto de confiança. O caso mais emblemático é o da varíola, doença que foi oficialmente erradicada tamanha a força da barreira vacinal construída para impedir a circulação do vírus.
Recentemente, as vacinas também nos permitiram voltar à vida normal após o surgimento do novo coronavírus e da pandemia de covid-19. Mas foi justamente nesse período em que os imunizantes fizeram tanta diferença e salvaram vidas que muitas notícias falsas se espalharam e acabaram desestimulando a vacinação, tanto de covid como para outras doenças, entre a população.
O problema é que as coberturas vacinais já estavam baixas muito antes disso. Dados do Ministério da Saúde indicam que a cobertura vacinal no país segue em queda há dez anos, com cerca de 50% a 60% de vacinados para as principais doenças, como sarampo e poliomielite.
Além disso, é raro que adultos sigam se vacinando e aplicando as doses de reforço para doenças como a hepatite, que possui uma taxa de imunização entre adultos muito baixa.
O temor é que isso faça ressurgir doenças que estavam controladas e coloque em risco especialmente os indivíduos que não podem se vacinar ou pessoas imunosuprimidas e mais suscetíveis a infecções, como idosos e bebês.
Para acabar de vez com o medo de se vacinar, vamos esclarecer alguns mitos famosos a respeito das vacinas. Veja a seguir:
1. Vacinas provocam autismo
Falso. Esse clássico das fake news das vacinas surgiu após um estudo do médico inglês Andrew Wakefield, publicado em 1998 na conceituada revista The Lancet associar a vacina tríplice viral (que combate sarampo, caxumba e rubéola) ao transtorno do espectro autista.
O artigo provocou polêmica no mundo todo e as taxas de vacinação despencaram, especialmente na Europa. No entanto, descobriu-se depois que o estudo havia sido fraudado, com diversos dados fabricados para chegar nesse resultado. Wakefield foi processado criminalmente, perdeu o registro médico e o artigo foi retirado da publicação.
Mas o estrago já estava feito e, mesmo com inúmeros estudos tendo concluído que a ligação entre autismo e vacina não existe, o medo faz com que muitos pais deixem de vacinar suas crianças para esta e outras doenças até hoje.
2. Pegar a doença produz uma resposta imunológica mais forte do que com a vacina
Não. As vacinas são produzidas para gerar uma resposta do sistema imunológico que produza anticorpos capazes de combater determinada doença. Assim, quando a pessoa entrar em contato com o microrganismo, ela será capaz de identificá-lo e combatê-lo rapidamente, sem que ele cause a doença (ou uma versão grave dela).
Outra questão é que nem todas as infecções estimulam uma imunidade duradoura. É o caso da gripe, por exemplo: como o vírus muda todos os anos, é preciso atualizar essa proteção no mesmo período.
E do que adianta ficar doente, correndo o risco de desenvolver complicações como pneumonia, se se você pode estar protegido com a vacina?
Essa é a grande vantagem das vacinas: estimular uma proteção às doenças sem que se corra o risco de morrer ou desenvolver alguma sequela grave ao se infectar por qualquer agente infeccioso.
Vale dizer aqui que, mesmo provocando boas respostas imunológicas, algumas vacinas requerem a aplicação de dose de reforço de tempos em tempos para relembrar ao corpo como se produz aqueles anticorpos.
Isso não tem nenhuma relação com a eficácia ou não das vacinas. É simplesmente o regime vacinal que foi testado e aprovado clinicamente como a melhor forma de estimular o corpo a produzir suas defesas.
3. Vacinas podem provocar aborto ou má formação no feto
Errado. As vacinas são seguras para grávidas e não causam nenhum problema para o bebê. Estudos feitos já mostraram que a média de abortos sofridos por mulheres que se vacinaram não está acima da estatística esperada para determinada população.
Mais: as vacinas são importantíssimas para proteger a mãe de doenças infecciosas. Durante a gestação, o sistema imunológico materno é modulado de forma diferente para reduzir o risco de rejeição ao feto.
Assim, as vacinas ajudam a reforçar essa linha de defesa e ainda servem para passar anticorpos para os bebês tanto via placenta como via leite materno depois do nascimento. Uma das doenças mais graves para recém-nascidos, a coqueluche é evitada justamente dessa maneira.
Vale reforçar, no entanto, que as grávidas têm um calendário vacinal específico. As vacinas de vírus vivo ou atenuado, como da febre amarela, não devem ser aplicadas neste momento, sendo autorizadas apenas as de vírus mortos ou acelulares.
4. Vacinas da covid-19 provocam problemas no coração
Mais ou menos. Alguns relatos de miocardite (uma inflamação no coração) foram feitos após a aplicação de certas vacinas, especialmente em indivíduos jovens, entre 16 e 30 anos, do gênero masculino.
No entanto, o número de pessoas que tiveram o problema comprovadamente causado pela vacina foi muito, muito pequeno em comparação às doses aplicadas. Os estudos mostraram que os riscos de você desenvolver uma miocardite após contrair covid-19 (que também provoca o problema) é bem maior do que se você se vacinar.
Ou seja, colocando na balança, as vacinas são, sim, muito seguras.
5. As vacinas de vetor viral da covid-19 provocam hepatite em crianças
Falso. Até agora, os mais de 600 casos descritos de hepatite fulminante em crianças em diversos países não tiveram as causas esclarecidas.
Especula-se que a doença teria relação com a infecção pelo adenovírus 41 e é daí que surgiu esse mito —já que as vacinas de vetor viral utilizam uma versão modificada de adenovírus para entregar o material genético ao corpo.
No entanto, não há qualquer relação entre as duas coisas. Até porque a maioria dos casos ocorreu em crianças pequenas, abaixo dos 5 anos —a idade mínima para ser vacinado contra a covid-19— e não vacinadas.
6. A vacina da gripe provoca gripe
Não. Outro clássico dos mitos vacinais, muita gente que se vacina e fica doente logo em seguida acredita que foi culpa do imunizante.
Mas isso não faz sentido porque a vacina da gripe é feita com pedaços do vírus morto. Ou seja, ele não tem condições de provocar a doença em nenhum ser vivo.
Ok, mas como explicar quem de fato fica doente após receber a picada? Aqui, existem duas explicações: a primeira é que a pessoa pode ter sido infectada poucos dias antes de tomar a vacina. Como ela leva cerca de 10 a 15 dias para ter efeito, a doença vai avançar normalmente no corpo após a fase de incubação.
A segunda é que nós chamamos qualquer sintoma respiratório de gripe. E não é apenas o influenza que provoca dor de garganta, nariz entupido e tosse, entre outros sintomas. Há diversos vírus causadores de resfriados, alergias e rinites que também causam esses problemas, mas para os quais a vacina da gripe não tem nenhuma eficácia.
7. As vacinas podem nos deixar doentes
Via de regra, não. A grande maioria das vacinas não provoca a doença para a qual foi fabricada para combater.
Aqui, vale uma diferenciação: especialmente em crianças, é comum que qualquer vacina provoque reações como febre baixa, mal-estar e dores no corpo, além de vermelhidão no local de aplicação.
Isso não configura uma doença; na verdade, é apenas o corpo reagindo à vacina. Os sintomas costumam ser leves e desaparecem em cerca de 48 horas. No entanto, algumas vacinas feitas com vírus vivo atenuado, como da febre amarela e a SCR (sarampo, caxumba e rubéola) podem, raramente, causar uma versão leve da doença que tentam prevenir.
No entanto, são quadros muito brandos e que evoluem de forma positiva em poucos dias.
Fontes: Celso Granato, infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury; Michelle Pinheiro, infectologista do Complexo Hospitalar da UFC (Universidade Federal do Ceará), que faz parte da rede Ebserh; Renato Kfouri, infectologista e diretor da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações); e Sumirê Sakabe, médica infectologista do Hospital 9 de Julho, em São Paulo.