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‘Um maluco no pedaço’ e o segredo dos remakes de séries que dão certo

Um Maluco no Pedaço, Gossip Girl e Gilmore Girls são algumas das adoradas séries de TV revisitadas recentemente. Mas, afinal, como e por que os remakes funcionam – e por que às vezes não dão certo?

Antes de existirem os serviços de streaming, meu momento favorito era correr para casa depois da escola para assistir aos episódios de Gilmore Girls na televisão.

A série original foi ao ar entre 2000 e 2007. Suas sete temporadas foram reprisadas sequencialmente na TV aberta britânica até 2012 – e novos episódios foram programados para lançamento em 2016.

Com seu cancelamento após a sétima temporada, a série original Gilmore Girls (que no Brasil também recebeu o nome de Tal Mãe, Tal Filha) terminou sem o encerramento da história, com a protagonista Rory saindo da cidade para um novo emprego.

No papel, o remake Gilmore Girls: Um Ano para Recordar parecia promissora, explorando onde os personagens estariam atualmente.

Já em 2021, veio o remake de Gossip Girl, apresentada originalmente entre 2007 e 2012. Em tese, eu poderia ter gostado do remake se ele não estivesse ligado a um dos meus dramas favoritos de adolescente.

Mas, para mim, ele pareceu mais interessado em criticar a dinâmica do seu predecessor e não conseguiu capturar a magia que fez com que eu me apaixonasse pela série original.

Um crítico escreveu na época que “a nova Gossip Girl traz menos daquela bagunça deliciosa e mais de uma velha e total bagunça”.

Nos últimos anos, tem surgido uma série de anúncios de remakes de filmes e programas de TV populares – incluindo Cruella, Ele é Demais, Duna, Amor, Sublime Amor, Esqueceram de Mim, um filme derivado de Grease – Nos Tempos da Brilhantina, Will & Grace, Sex and the City, Oliver Twist e How I Met Your Mother.

O agregador de notícias Reddit está repleto de pessoas cansadas dessa tendência. “Hollywood está ficando sem ideias?”, pergunta um usuário. “Estou mesmo muito cansado de remakes”, acrescenta outro.

Alguns simplesmente perguntam se já houve algum remake que deu certo: “qual remake você realmente gostaria de ver?” ou “na sua opinião, qual remake realmente deu certo?”

As indústrias do cinema e da televisão sabem cada vez mais como capitalizar um filme ou série que já tem um grande número de fãs.

O comentarista e especialista em cultura pop Nick Ede afirma que esta é uma forma em que as empresas podem garantir a entrada de receita mesmo quando os filmes e programas originais foram um fracasso.

“Normalmente é feito o remake de um filme que já é popular e tem uma grande quantidade de fãs, para que não haja risco financeiro no investimento feito pelo estúdio. O filme Duna original, por exemplo, rendeu US$ 31 milhões (R$ 160 milhões) de bilheteria, mas custou US$ 40 milhões (R$ 206 milhões) para ficar pronto. Ele foi um fiasco e um desastre financeiro para o estúdio”, explica Ede.

“Mas o remake rendeu mais de US$ 300 milhões (R$ 1,55 bilhões) e custou US$ 165 milhões (R$ 851 milhões) para ser feito, de forma que foi um sucesso e ainda rendeu dinheiro. Pode parecer preguiça, mas [o remake], quando é bem feito, é revigorante.”

Algumas pessoas acham essa tendência desgastante, mas ainda há alguns remakes que geram entusiasmo – e um deles especificamente está provocando discussões no momento.

Em 2019, o produtor independente e cineasta comercial autodidata Morgan Cooper reimaginou a série Um Maluco no Pedaço em um trailer experimental com três minutos e meio de duração.

O trailer foi uma resposta perfeita à pergunta “como teria sido a história hoje se fosse um filme de longa metragem em vez de uma série?”. Nele, a mãe do protagonista diz: “fiz o meu melhor, Will, agora é a hora da mudança. Você vai para Bel-Air viver com seu tio e sua tia.” Essa fala soou familiar para os fãs da série original.

Cooper não tinha dinheiro suficiente para fazer o filme completo e, por isso, ele o resumiu em um trailer. Mas ficou claro que a ideia não era usar a técnica familiar de trazer de volta o velho elenco para as telas, nem de criar uma continuação do que foi feito antes.

A ideia era produzir algo novo com uma premissa similar, que atraísse os fãs do original e também as pessoas que nunca viram a série.

Will Smith – ator revelado pela série dos anos 1990 – acabou por encontrar o trailer no YouTube e o remake tornou-se realidade, na forma de uma nova série com Morgan Cooper a bordo como um dos roteiristas e coprodutor executivo, além do showrunner (o principal responsável por uma série) Chris Collins.

OLHAR MAIS PROFUNDO

Na nova série, chamada Bel-Air (que está sendo apresentada pelo serviço de streaming norte-americano Peacock), os episódios de 20 minutos de Um Maluco no Pedaço são substituídos por dramas com uma hora de duração, com um olhar mais profundo sobre as diferentes formas de privilégio de classe, etnia e outros.

“Houve cenas realmente simbólicas e inesquecíveis, que saíram das convenções de séries de TV diretamente para a representação dramática”, afirma Cooper.

Mas as cenas que nos faziam questionar a sociedade em que vivemos não eram as principais da série original, que se concentrava mais nas risadas que aquela estranha dinâmica familiar conseguia proporcionar.

Mas as diferenças da nova versão é que a tornam um remake de sucesso, que respeita a série original, mas reconhece que vivemos uma nova era – o que é fundamental para criar um remake que funcione.

Ste Bergin, cineasta e professor da Universidade de Salford, no Reino Unido, afirma que “todos nós temos um certo [James] Bond a quem nos sentimos conectados. Ele ressalta que cresceu com Pierce Brosnan na tela grande.

“Podemos afirmar com segurança que, quando Cassino Royale foi lançado [em 2006], o mundo vivia um momento diferente – o 11 de Setembro, o desenvolvimento da internet etc. O mundo em que vivíamos simplesmente não precisava de apetrechos e vilões bobocas querendo destruir o mundo, mas ainda tínhamos necessidade de heróis de ação. Cassino Royale ainda é Bond, mas é um Bond diferente. A franquia foi respeitada, mas ela mudou e cresceu com seu remake sombrio”, explica ele.

Aí está algo que Gilmore Girls: Um Ano para Recordar não conseguiu. Existe uma cena específica em que uma das protagonistas chama sua vizinha de a “Pat Gorda dos Fundos” (“Back Fat Pat”).

Na época do original, as brincadeiras com gordos eram o reflexo de uma sociedade onde eram frequentes as críticas sobre o peso das pessoas.

Mas isso evoluiu desde o último episódio da série, em 2007. As conversas sobre a positividade do corpo tornaram-se comuns e, em 2012, influenciadores acima do peso já tinham sucesso. Por isso, Gilmore Girls: Um Ano para Recordar ficou desatualizada e de mau gosto.

o remake de Um Maluco no Pedaço evoluiu a partir do original. O programa consegue se ambientar nas partes da série original que despertaram sua popularidade.

Will ainda é gentil e adorado pelos amigos, pelas mulheres e pelas demais pessoas à sua volta. Ele ainda enfrenta problemas com um gângster enquanto joga basquete; e sua mãe ainda se sente forçada a mandá-lo viver em Los Angeles com seus parentes ricos para o próprio bem do seu filho.

Mas Bel-Air também apresenta as partes da série original que as comédias dos anos 1990 não conseguiam explorar em detalhes.

A dinâmica entre os personagens e seu ambiente não é a mesma. Will (interpretado por Jabari Banks) e seu primo Carlton (Olly Sholotan) entram em conflito com mais frequência. Carlton está decidido a se enturmar com seus companheiros mais privilegiados, sendo o único homem negro – no que é combatido por Will, que é da classe trabalhadora.

Will também começa a nova série mais deslocado (e correndo riscos mais ostensivos) que originalmente. Hillary (a prima rica “boba” da série original) agora é uma influenciadora esperta e determinada. Os sacrifícios do tio Phil e da tia Viv para dar aos filhos as possibilidades que eles não tiveram também são mais evidentes.

Em outras palavras, a série parece atual e cheia de críticas sobre privilégios de classes que soam relevantes em 2022.

“As histórias não podem apenas capitalizar suas glórias do passado. Todos os remakes de filmes e séries devem ter novas audiências em mente”, explica Giuliano Papadia, CEO (diretor-executivo) da produtora de televisão BlackBox Multimedia, em Londres.

“Eles podem não incluir referências específicas, mas compartilharão aquele surto de adrenalina dos fãs originais.”

Charlotte Stevens, professora da Universidade da Cidade de Birmingham, no Reino Unido, cujo objeto de pesquisa são os estudos de fãs e televisão, concorda. “É como andar em uma corda bamba porque o remake precisa ter vida própria, sem fazer a audiência pensar que preferia assistir ao original.”

É por isso que o remake de Um Maluco no Pedaço funciona. Ele não tenta ser algo que não é, nem nunca será: a série original.