“Se o oeste foi conquistado ou perdido, cabe a você decidir.”
Como o tempo passa. Já fazem muitos anos que nos separam do lançamento de Spirit: O Corcel Indomável, uma das mais tocantes dentre as animações já feitas.
E nesta frase que está acima abrindo a crítica encontra-se a importante mensagem desta produção.
Inicialmente com um roteiro bem simples, vemos uma das mais emocionantes produções dos anos 2000. Acompanhamos a jornada de um cavalo selvagem, do seu nascimento até se tornar um adulto de porte, protegendo seu bando. Porém a chegada dos “desbravadores” homens brancos coloca seu mundo em perigo e o cavalo acaba capturado. No cativeiro, conhece um índio que também foi capturado. Juntos eles lutam para fugir.
A partir daí vemos o homem tentando domá-los, mas também vemos a resistência de um ser com espírito livre.
Os desenhistas passaram anos estudando os movimentos dos cavalos, seu trote e como correm. Tudo para transpor nas telas movimentos realísticos. Também realísticos são os relinchos dos cavalos, uma vez que não há diálogos entre os animais.
Mas há uma imponente narração do cavalo protagonista, na voz de Matt Damon. Muitas são as animações que tem certas partes emocionantes, mas raríssimas são as que já começam assim. ‘Spirit’ tem já na sua abertura cenas de arrepiar.
A direção da dupla Lorna Cook e Kelly Asbury nos presenteia com uma belíssima viagem pelo oeste selvagem e todas suas maravilhas.
Durante o filme são várias as cenas aéreas impressionantes, vistas através de uma águia, que tanto vem a ser o amigo com quem Spirit corre quanto que também serve como uma metáfora para a liberdade.
Todo visual do filme é impressionante, muito bem rascunhado, cheio de bela paisagens e extremamente bem desenhado a mão, na antiga modalidade 2D.
Mas há algumas camadas, uma espécie de maquiagem com a nova animação 3D, como na eletrizante cena do rio.
Na ação, a direção mantém um ritmo enérgico, o filme serve como uma espécie de faroeste, cheio de perseguições e confrontos em lugares ásperos e gélidos.
É impossível falar de ‘Spirit’ sem comentar sobre sua impactante trilha sonora. Equivalendo a um musical, grande parte da narrativa é desenvolvida em cima da letra das canções.
No áudio original, temos o talentoso Bryan Adams. Na versão brasileira, a voz igualmente boa de Paulo Ricardo. Foi uma decisão sábia colocarem Paulo Ricardo, ele é o melhor representante do estilo de Bryan Adams, um dos poucos cantores de nosso país que preencheria esta lacuna.
As canções passam as emoções e pensamentos de Spirit, seus medos e sua luta.
Um destaque especial para a canção Toquem o Clarim, que começa após uma triste perda do herói e logo em seguida é colocado em um vagão de trem. A canção passa o sofrimento de alguém que desistiu e já não luta mais. Mas ao lembrar de suas origens e do que precisa fazer, a mesma música muda de tom e passa a ser algo encorajador, além de trazer algumas imagens poéticas.
Esta jogada ambígua muda a atitude do personagem e muda a sensação triste que nós (o expectador) estava tendo. Isto nos prepara para aguentarmos as cenas seguintes, que mostram uma impressionante crueldade quando os cavalos são postos para puxar um trem que pesa toneladas, tudo em nome do chamado “futuro”.
Não se assuste, é um filme infantil e tem algumas cenas de humor. Mas quem mais se deleita é realmente o público adulto, ao se deparar com um filme maduro. Assim o longa consegue mexer facilmente com os sentimentos de quem assiste a produção.
Indicado ao Oscar de Melhor Animação e perdendo injustamente, o filme é uma obra-prima vinda da Dreamworks, e não da Disney como alguns acham.
Considero o melhor filme da produtora. ‘Spirit’ é para a DreamWorks o que ‘O Rei Leão’ é para a Disney, sua animação máxima, levando em conta a emoção e a maturidade da obra. Um filme que merece ser revisitado várias vezes.
Na comentada frase “se o oeste foi conquistado ou perdido, cabe a você decidir” é que existe o grande segredo do tamanho impacto do desenho. O homem evoluiu, se esparramou, domou a natureza.
Mas a que custo?
Acabaram com a vida selvagem, com os índios, com a liberdade de todos nós.
Por mais que haja tecnologia hoje, não estamos todos presos?
Presos a preconceitos, a situação financeira, a estilos de vida e opiniões, a política, a religiões, a grandes cidades cheias de violência e correria?
Não estamos presos diante as telinhas de celulares, presos em um dia a dia corrido, no qual nem paramos para reparar em coisas simples, como um pássaro ou na vida em si?
Não falo em reparar no que podemos fazer ou construir, mas parar para ver o que somos, como nos enxergamos.
Não estamos assim sem nossa liberdade? Ela não foi perdida?
‘Spirit: O Corcel Indomável’ traz um ser puro, uma força que apenas quer manter o que tem de mais valioso: seu espírito de liberdade.
FONTE: Minha Visão do Cinema (https://minhavisaodocinema.com.br/2016/04/20/critica-spirit-o-corcel-indomavel-2002/)