Nas trilogias de super-heróis o segundo filme é o da consolidação da jornada pessoal. Cinco anos depois de Homem-Aranha no Aranhaverso (2018), Miles Morales retorna mais maduro e confiante em Através do Aranhaverso, mas é a própria realidade da rotina de vigilante – que particularmente no universo do Homem-Aranha sempre envolveu muitas concessões, lutos e sacrifícios – que chega para cobrar seu pedágio e testar se Miles tem mesmo o que é preciso para carregar o nome de Homem-Aranha.
Para provar esse ponto, o longa começa contando a história de Gwen Stacy em seu universo – uma forma de ilustrar que as provações marcam a trajetória de qualquer Aranha. Por meio de Gwen, a trama apresenta Miguel O’Hara e Jessica Drew, as cabeças por trás da Sociedade Aranha que fiscaliza a integridade do multiverso. Essa integridade está a perigo a partir do momento em que voltamos para o Brooklyn da realidade 1610 e descobrimos que o vilão da semana de Miles pode se tornar uma ameaça maior a todo o multiverso.
Ao equilibrar a história entre Miles e Gwen e outros teiosos, Através do Aranhaverso promove a clássica expansão de mitologia que se espera sempre dos segundos filmes de trilogia, mas sem tornar isso um inchaço de continuação. As várias versões dos Aranhas reforçam uma das mensagens originais dos quadrinhos, de que qualquer um – desde que seja desafortunado o suficiente para ser picado por uma aranha radioativa – pode se tornar o “amigão de sua vizinhança” com propósito, valores e força de vontade. Mesmo no turbilhão de personagens distintos, cada um marcado por suas particularidades visuais (o que torna o filme incessantemente um mosaico colorido de estímulos), o filme faz todos eles aparecem em harmonia: se há um inchaço nesta continuação, ela se justifica do ponto de vista da trama e do arco dramático de Miles.
Para dar conta de tantos personagens na tela, o filme se desafia a ser um novo marco no mundo das animações. As várias versões do Homem-Aranha ganham texturas e cores alinhadas aos gibis (além de traços que remetem a desenhistas específicos, um easter egg para os fãs mais atentos) e às épocas canônicas em que eles vivem, o que inclui também brincadeiras de metalinguagem (como o herói do desenho dos anos 1960 não conseguir se mexer com a mesma agilidade dos Aranhas animados que vieram depois). Consequentemente, cada universo replica essas especificidades nos cenários, o que torna o filme um enorme objeto mutável a cada instante. Adaptar-se a essa modulação durante 2h16 exige engajamento do espectador, e sempre depois de cenas com toda a poluição visual dos infinitos Aranhas, temos momentos de calmaria para dar um merecido descanso aos olhos; Através do Aranhaverso aproveita esses instantes para reforçar os laços familiares que tecem de maneira tão potente a base das narrativas dos Aranhas.
E com grandes poderes, sempre vêm grandes responsabilidades. Trazer tantas pessoas-aranha para as telas exige um olhar especial para a diversidade e o filme sabe tanto incorporar essa necessidade quanto fazer comentários engraçados sobre ela (como na piada da “jornada espiritual” que leva a trama para a realidade do Aranha indiano). Homem-Aranha Através do Aranhaverso é um marco para a representatividade na cultura pop não apenas por incrementar de modo massivo e eclético o elenco do primeiro filme, mas também por se mostrar consciente desse gesto, para além das sinalizações de virtude.
Repetindo os acertos do primeiro filme, a sequência expande seu universo ao limite e traz uma história pé no chão mesmo em meio à desordem característica de histórias multiversais. Uma obra de arte visual do início ao fim, Homem-Aranha Através do Aranhaverso coloca Miles Morales numa provação que envolve e questiona a própria natureza repetitiva das jornadas de sacrifício de super-heróis. Ao mesmo tempo, deixa de ser uma história apenas sobre esse adolescente portorriquenho do Brooklyn e exalta todo o legado do personagem nos quadrinhos e nas telas.
FONTE: Omelete (https://www.omelete.com.br/filmes/criticas/homem-aranha-aranhaverso-2)