A primeira cena de Citadel tem tudo para deixar o fã de tramas de espionagem empolgado: um trem cruzando a Europa, dois protagonistas com muita tensão sexual e assuntos pessoais não resolvidos, cenas de ação bem executadas e uma grande explosão. No meio da briga com os agentes inimigos para recuperar um estoque de material radioativo (sempre o material radioativo), e sua própria discussão de relacionamento, os melhores agentes da organização, Mason Kane (Richard Madden, o Rob Stark, de Game of Thrones), e Nadia Sinh (Priyanka Chopra Jonas) descobrem que foram enganados e a missão é uma armadilha. Para arrematar a DR, eles revelam que mentiram um para o outro. Então, todo mundo perde a memória, e a temporada inteira é dedicada a descobrirmos as respostas dessa sequência inicial: qual foi a mentira de Mason, qual foi a mentira de Nadia e quem é o infiltrado que causou a queda da agência Citadel.
Até aí, nada de muito original. Mas apostar numa trama segura e clássica, se feito com bom desenvolvimento de detalhes e personagens carismáticos, poderia resultar em uma série de espionagem envolvente que agradaria muita gente. Pena que Citadel não atinge esse objetivo, fica na superfície, com personagens rasos e estereotipados e uma trama fraca.
O maior exemplo disso é que o conflito principal já carece de especificidade. É o velho bem vs mal: Citadel é uma agência de espiões que não é leal a nenhum indivíduo, nação ou corporação, e sim à “segurança de todas as pessoas”. Citadel interferiu em todos os grandes eventos mundiais a favor do bem. Sua principal inimiga é a organização Mantícora, criada por oito das famílias mais ricas do mundo e que tenta influenciar os eventos mundiais para aumentar a riqueza e poder de seus clientes. Ou seja, fazer o mal.
Acompanhamos Mason Kane (que após perder a memória é Kyle Conroy, marido e pai, residente no estado de Oregon) em sua luta para redescobrir sua identidade. O conceito de um homem com amnésia descobrir que é na verdade um agente secreto não é novo, e Citadel reconhece isso. A esposa (genérica) de Mason, Abby (Ashleigh Cummings), brinca que seu marido é Jason Bourne, mas a série nunca se diverte de fato com o conceito. Mesmo depois que Mason e Nadia se reencontram, em uma circunstância onde ela se lembra de tudo e ele não se lembra de nada, a série não consegue extrair muita graça da situação. A amnésia de Kyle/Mason acaba sendo usada, então, como desculpa para a revelação de um monte de twists sem pé nem cabeça que deixam a trama mais novelesca. E não há nada de errado em pender para o lado mais novelesco e pessoal – a questão é que a série gasta pouco tempo desenvolvendo os personagens para que o espectador de fato se importe com suas questões íntimas.
Dá para entender porque Richard Madden foi escolhido como um dos protagonistas. Sabemos da capacidade do ator, de seu charme e carisma, mas parece que essas ferramentas se perdem na chatice e destempero de Kyle, com quem passamos grande parte do tempo. Mason aparece em muitos flashbacks, mas também não sai da superfície, cumprindo o velho papel do espião arrogante e sem coração.
Já Priyanka desempenha bem, entrega muito na fisicalidade e tem até mais comicidade como Nadia. Mas seu papel também é previsível: a espiã sexy que é claramente mais inteligente e qualificada que sua dupla, mas que por algum motivo só toma as rédeas da operação quando tudo está indo por água abaixo.
Kyle/Mason é auxiliado pelo guru da tecnologia Bernard Olrich (o sempre carismático Stanley Tucci), que é o grande refresco da série. A chefe da Mantícora, por sua vez, é a estereotipada e maligna Dahlia (Lesley Manville, que tenta tirar leite de pedra), uma embaixadora britânica que casualmente ordena assassinatos e torturas entre momentos tomando chá e cuidando de suas roseiras.
Muitas das cenas de Citadel envolvem duas ou três pessoas conversando em uma sala. Depois da cena de abertura no trem, as cenas de ação perdem energia, tornando-se breves e sem imaginação. Os problemas que aparecem são resolvidos rapidamente – logo no segundo episódio, Kyle/Mason precisa realizar um assalto em uma das instalações da Mantícora, e nosso herói entra e sai em menos de cinco minutos com praticamente zero dificuldade. Embora não vejamos Citadel no ápice de seus poderes, parece que que eles operam infinitamente lutando contra si mesmos e nunca fazendo o mundo um lugar melhor em nenhuma maneira tangível.
Encabeçada pelos Irmãos Russo, Citadel é o início da criação de um Spyverso, uma de muitas séries planejadas no mesmo universo ficcional, com spin-offs italianos e indianos já em desenvolvimento. E a Amazon supostamente apostou 300 milhões de dólares na série até agora – incluindo refilmagens após o showrunner inicial, Josh Appelbaum, ter sido substituído por David Weil. Mas com seis episódios em torno de 40 minutos, e efeitos especiais de aparência barata, Citadel nos deixa com a dúvida de onde foi parar todo esse dinheiro.
Apesar de tudo, é um entretenimento fácil e leve, com algumas boas performances e algumas boas cenas de ação. Nesse sentido, o número reduzido de episódios e a duração mais curta são um ponto positivo para que o espectador chegue até o final. Há muito potencial com o elenco, e há esperança de que a série entre nos trilhos em uma segunda temporada.
A sensação que fica é que Citadel é um conceito antes de uma série, o resultado da ambição de criar um universo cinematográfico sem uma base sólida. E é uma pena que hoje em dia o foco esteja na criação do macro, e não do micro. São os detalhes que fazem a diferença, e enquanto não houver dedicação ao desenvolvimento da história e dos personagens, Citadel não vai atingir o potencial que promete.
FONTE: Omelete (https://www.omelete.com.br/series-tv/criticas/citadel-critica)