O fenômeno Bridgerton encantou os espectadores com seus bailes reluzentes e jovens à flor da pele no período de casamento, acompanhado de muita fofoca e sexo. Com uma segunda temporada morna, tanto em trama quanto em cenas picantes, Rainha Charlotte chega para corrigir o rumo e lembrar da potência da roteirista e produtora Shonda Rhimes ao fortalecer a franquia para além da temporada de bailes.
O derivado serve de prelúdio ao apresentar a ascensão de Charlotte ao se casar com o Rei Jorge III. Ao mesmo tempo, faz uma temporada 2.5 de Bridgerton mostrando a Rainha, no presente, convencendo um de seus 13 filhos a ter um herdeiro legítimo, enquanto a saúde do rei se deteriora. Rostos das temporadas anteriores retornam, como Golda Rosheuvel e James Fleet como os monarcas, Adjoa Andoh como Lady Agatha Danbury e Ruth Gemmell como Lady Violet, a matriarca dos Bridgerton. Ao mesmo tempo, os momentos de flashback mostram suas versões jovens, com India Amarteifio no papel principal, Corey Mylchreest como o Rei Jorge, Arsema Thomas como a recém-viúva Lady Danbury e Connie Jenkins-Greig como Violet, tudo isso com a narração de Julie Andrews como a onipresente Lady Whistledown.
Mesmo com essas idas e vindas entre passado e presente, Rhimes consegue amarrar muito bem suas tramas – na principal, a rainha tenta se adaptar com a nova vida e lidar com a doença que afeta seu marido – e suas subtramas, que envolvem desde os lordes até os criados. Mais do que isso, Rainha Charlotte aprofunda temas ao colocar seus personagens secundários no centro: a solidão da mulher viúva, a sexualidade feminina na idade avançada, o patriarcado que assola a realeza e a construção do relacionamento mesmo em um casamento arranjado.
Dentre esses temas, o racismo é apresentado com mais afinco comparado com Bridgerton, ainda que mostrado sob o véu rendado em tom pastel da franquia. Na história, a Princesa Augusta (Michelle Fairley), mãe de Rei Jorge, faz o “Grande Experimento” social ao dar títulos a nobres negros para deixar a Rainha Charlotte mais à vontade no palácio, mas abre discussão para as falhas desse sistema implantado sem o interesse benevolente. Sempre citado como “nosso lado” e o “lado deles”, o assunto surge na minissérie de maneira coerente e pertinente em seu micro cenário. Nele, a jovem Lady Danbury se torna uma das vozes para fortalecer essa representatividade na nobreza inglesa e justifica sua atual posição quando mais velha.
Utilizando personalidades reais como Rainha Charlotte e Rei Jorge III, é normal levantar dúvidas entre o real e o fantasioso da nova produção da Netflix, mas o derivado deixa claras suas intenções na abertura com o aviso: “Esta é a história da Rainha Charlotte de Bridgerton. Não é uma aula de história, é ficção inspirada em fatos. Todas as liberdades tomadas pela autora são bastante intencionais“. Para além da necessidade de tal aviso, fica a posição marcada: Rhimes deixa de lado a eventual precisão histórica para buscar uma história emocionante de Charlotte e Jorge.
O elenco jovem da série é um ponto alto a ser considerado ao trazer as personalidades fortes de seus personagens e mantendo a fidelidade entre os saltos no tempo. Amarteifio e Thomas entregam a rainha e a nobre que conhecemos com sua autoridade e acrescentam a humanidade diante de seus desafios, sem perder o ar da graça aristocrática. A minissérie é mais ousada ao introduzir o relacionamento gay discreto entre os criados e braços direito da realeza Brimsley (Sam Clemmett) e Reynolds (Freddie Dennis) na juventude. Assim como há a diversidade étnica na história, quem sabe essa possa ser uma abertura de mais relacionamentos LGBT+ à franquia de Shondaland.
Mesmo com as novidades, Rainha Charlotte mantém o DNA de Bridgerton em sua trama com os bailes reais, figurino deslumbrante acompanhado das versões instrumentais de músicas pop, desta vez, adicionando hits de Beyoncé, Alicia Keys e Whitney Houston – para ficar alinhado com a nova preocupação sobre representatividade racial. Quem sentiu falta das cenas de sexo na segunda temporada deve ser bem recompensado com momentos íntimos das majestades e dos personagens secundários.
Rainha Charlotte consegue recuperar o fôlego da franquia ao enriquecer seus personagens e trazer narrativas que ornam entre si, sem esquecer da essência que fez o sucesso da adaptação das obras de Julia Quinn. Se a saga da jovem rainha tiver uma sequência, um potencial terceiro ano de Bridgerton pelo menos começará no tom certo.
FONTE: Omelete (https://www.omelete.com.br/series-tv/criticas/rainha-charlotte-bridgerton-critica)