O Brasil é o próximo país a conduzir um estudo de abrangência nacional sobre o coronavírus dentro da plataforma criada pelo governo britânico para ajudar outros países a ampliar a capacidade de sequenciamento genômico do vírus, chamada de NVAP (New Variant Assessment Platform).
O estudo, realizado em parceria com a Rede Corona-Ômica do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), será a maior iniciativa de vigilância genômica já conduzida no Brasil e deve identificar as variantes e subtipos que circulam nos 27 Estados brasileiros para ajudar a entender a transmissão do Sars-CoV-2 dentro do território nacional.
A pesquisa é financiada pela UKHSA (Agência Nacional de Segurança em Saúde do Reino Unido) e conta com o apoio de pesquisadores de diferentes universidades federais brasileiras e do Grupo Pardini, rede de medicina diagnóstica que vai disponibilizar os testes positivos coletados em mais de 6 mil laboratórios próprios e parceiros.A meta da equipe é sequenciar o genoma completo do Sars-CoV-2 de cerca de 5.000 amostras do laboratório coletadas por mês, durante aproximadamente 6 meses.
O virologista e professor da UFMG, Renato Santana, é um dos coordenadores da pesquisa e explica a importância de ampliar a vigilância genômica no Brasil.
“A meta estipulada pela OMS é que países consigam sequenciar entre 5% a 10% dos casos positivos. Mas enquanto nações como Reino Unidos e Dinamarca chegaram a sequenciar quase 50% dos casos, nós não chegamos a 1%. Num país como o Brasil, com dimensões continentais, praticamente não se sequenciou o vírus”, afirma.
Além disso, Santana explica que a ampliação geográfica da coleta das amostrar darão ainda um panorama da covid-19 no interior do país. “Os estudos conduzidos até agora focaram nos grandes centros urbanos, principalmente capitais, e só agora preencheremos a lacuna de outras cidades que antes foram negligenciadas.”
O objetivo é que o maior sequenciamento permita que pesquisadores avaliem novas variantes no território brasileiro, além de avaliar a taxa de transmissão.
“Se houver uma variante que escapa às vacinas que temos, por exemplo, mostraremos a importância das doses de reforço focadas nessas variantes. O estudo pode guiar políticas públicas para imunização e medidas de proteção. A ideia é gerar informação de qualidade para que possamos apoiar medidas públicas de saúde”, destaca o virologista.
Passo a passo do sequenciamento
O genoma do vírus, diferentemente do humano, não é de DNA, mas de RNA, um um tipo de ácido nucleico. A molécula também está presente em nós, humanos, mas ela não rege nosso genoma.
Para poder sequenciar todos os genes do vírus, os pesquisadores coletam as amostras positivas de swab e as enviam para que o RNA possa ser extraído em laboratório. Depois, transformam essa molécula de RNA em DNA.
“A partir daí, usamos uma estratégia que nos permite amplificar todo o genoma do vírus, que colocamos em sequenciadores automáticos”, diz Santana. Os sequenciadores são máquina ligadas a computadores que calculam as reações químicas o tempo todo.
De acordo com o especialista, o vírus faz pequenas mudanças em seu próprio genoma constantemente, mas é necessária uma vantagem adaptativa para que ele consiga se estabelecer como uma nova variante.
“Seria, por exemplo, fugir da proteção das vacinas ou replicar de forma muito mais rápida.”
Até chegar no resultado final, todo o processo leva em torno de duas semanas. Segundo o professor Renato, as amostras do estudo já foram selecionadas com cobertura aleatória de todo o território nacional e o RNA viral já foi extraído de todas as amostras. Agora, as equipes aguardam a chegada dos reagentes para a análise genômica enviados pela Inglaterra.”
A participação do governo britânico vai além do financiamento. Há também um treinamento de cientistas sobre como fazer análise de bioinformática e lidar com epidemiologia molecular. Os pesquisadores aprenderão metodologias de análises de forma que o conhecimento fique no Brasil”, aponta o virologista.
Como resultado, a integração de dados epidemiológicos será importante para a associação entre as cepas de Sars-CoV-2 e as taxas de transmissão de covid-19, além de ajudar a avaliar a eficácia do programa de vacinação no Brasil.
“Tudo o que a gente aprender com a genômica da Sars-Cov2 pode ser aplicado para outras pandemias, outros vírus. São estudos que geram uma expertise e treinamento de análises, não só da covid-19, mas nos prepara outros vírus como influenza, dengue, zika, chikingunya, etc.”, conclui o especialista.